ANTIBIÓTICOS

Pesquisa realizada no estado desenvolve novos antibióticos para combater superbactérias

Estudos buscam alternativas para o tratamento de infecções bacterianas por meio da manipulação de Peptídeos Antimicrobianos

Adrian Albuquerque, Gabriela Coniutti e Lucas Castro 9/10/2017 - 22h40
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O projeto “Desenvolvimento de peptídeos terapeuticamente eficazes para o tratamento de infecções bacterianas sistêmicas” desenvolve novos antibióticos para combater as chamadas “superbactérias” que, atualmente, resistem aos medicamentos existentes no mercado. O projeto é realizado desde junho de 2016 por uma equipe de 18 pesquisadores da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Universidade Católica de Brasília (UCB), do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade Colúmbia Britânica (UBC). Os cientistas têm como objetivo a obtenção de moléculas com maior atividade antibacteriana e menos efeitos tóxicos para os seres humanos. Em Campo Grande, as análises são realizadas no Laboratório de Microbiologia S-Inova Biotech da UCDB, coordenado pelo professor Dr. Octávio Franco.

O foco de estudo do grupo é a análise de Peptídeos Antimicrobianos (PAMs), compostos formados pela união de moléculas de aminoácidos e presentes em todos os organismos vivos, que possuem alto potencial de defesa contra infecções bacterianas e que podem ser modificados por meio de computadores tem como finalidade gerar terapias mais eficazes. O resultado mais promissor mostra que a manipulação de peptídeos tem potencial terapêutico para agredir microrganismos infecciosos capazes de desencadear infecções graves como pneumonia e meningite.

De acordo com a doutora em Biologia Molecular Maria Ligia Macedo a resistência bacteriana é um fato e a forma de se combater essa alta resistência está no cuidado diferencial no uso dos antibióticos. “A cada cinco ou 10 anos, a indústria farmacêutica tem que inovar com novos bactericidas, novos compostos antibacterianos por causa da resistência das bactérias. Então, o ser humano vai ter que conviver com as bactérias e com essa resistência eternamente. Com isso, é necessário se fazer um tratamento alternativo. A partir daí, começa-se a procurar outras formas de combater essa super-resistência, que não está, necessariamente, ligada ao desenvolvimento de novas drogas”. 

Para a especialista, as bactérias começam a ficar mais fortes a partir do momento em que são agredidas sucessivamente pelo uso de medicamentos. “Quando a bactéria é submetida a um estresse pelo uso excessivo de antibióticos. Com isso, esse microrganismos são colocados em contato com o que se quer combater, só que a cada dia que passa o homem tem mais infecções. Quanto mais infecções, mais medicamentos. Com mais medicamento, cria-se a possibilidade de ter uma bactéria super-resistente”.

A pesquisa

Segundo o coordenador da pesquisa, Osmar Silva o estudo é realizado por meio de duas abordagens. A primeira consiste no desenho racional de peptídeos, que é o processo de planejamento combinatório e de criação de novas moléculas, assistido computacionalmente, para se desenvolver métodos mais potentes contra esses microrganismos multirresistentes. O segundo procedimento é a modificação e adaptação incremental das sequências de PAMs existentes, com o objetivo de encontrar características mais eficazes na atividade antibacteriana. Silva afirma que “o desenho racional é uma técnica relativamente nova e teve seu início reportado em meados da década de 1990, concomitante com a difusão da internet, uma vez que utilizamos vários softwares para verificar os parâmetros físico-químicos”.

   Susana Moreno orienta a pesquisa (Foto: Adrian Albuquerque)

Para a orientadora do projeto e doutora em farmacologia, Susana Moreno a relevância do estudo está tanto no âmbito da saúde humana quanto da veterinária, visto que o controle de infecções também é um problema nessa área. “É um dos nossos próximos focos de estudo. Estudamos bactérias que são importantes para doenças veterinárias, que podem causar mortes de animais de rebanhos, equinos, suínos, aves”.

Susana Moreno relata que os peptídeos estudados existem na natureza como mecanismo defensivo de animais e plantas que também possuem caráter antimicrobiano. “Outros animais possuem esses peptídeos como uma forma inata de se defender de infecções diversas. O que fazemos é tentar encontrar esses peptídeos que existem na natureza com essa função e viabilizá-los enquanto medicamentos”.

De acordo com a doutora em Ciências Genômicas e Biotecnologia e também pesquisadora do projeto, Suzana Meira a maioria dos antibióticos que estão no mercado estão obsoletos em relação às bactérias que se tornaram resistentes. “Existe uma crise mundial em relação aos antibióticos. Então, vários grupos de pesquisa no mundo todo têm procurado não somente por peptídeos, mas também por outros compostos para tentar combater essas bactérias”. Para ela, os peptídeos são uma alternativa viável para a pesquisa, pois é possível alterar algumas características do composto selecionado para que seja menos tóxico. “A gente consegue também diminuir o tamanho desses compostos, que tornam eles mais baratos e que também tenham um maior poder antimicrobiano”.

Ameaças ao homem

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou informe que relata que as superbactérias são consideradas as próximas grandes ameaças à humanidade. Em fevereiro deste ano, o órgão divulgou uma lista com 12 desses microrganismos resistentes a múltiplos antibióticos e os tratou como “agentes patogênicos prioritários”, divididos em três níveis: crítico, alto e de baixa prioridade. Além de alertar sobre o problema, o comunicado orienta que os governos financiem pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de novos antibióticos. 

De acordo com o relatório britânico “Tackling drug-resistant infections globally: final report and recommendations”, lançado em maio de 2016, tais organismos irão causar a morte de uma pessoa a cada três segundos após 2050 e pode chegar ao nível de 10 milhões de pessoas mortas por ano. Atualmente, 700 mil pessoas morrem todos os anos vítimas de bactérias resistentes no mundo. Além disso, em termos econômicos, países em desenvolvimento, como o Brasil, podem perder quase 4,5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2050, segundo dados do Banco Mundial

Plano de Ação Nacional para a Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianosrecomendado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), foi organizado de forma integrada entre órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e ministérios da Saúde, Agricultura, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente. O projeto busca fortalecer o conhecimento sobre o tema e estabelecer estratégias para acabar com o uso indevido de medicamentos. 

   Danieli Buccini analisa os ensaios preliminares (Foto: Adrian Albuquerque)

Para a pesquisadora de doutorado em Biotecnologia e Biodiversidade pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e integrante do grupo de pesquisa, Danieli Buccini a recomendação da OMS para que os governos incentivem pesquisas no campo das alternativas farmacológicas tem que ser feita com antecedência. "Hoje eles tomaram consciência da importância desse estudo, porque muitos trabalhos foram apresentados e muitos pacientes contraíram essas superbactérias". 

Danieli Buccini afirma ainda que, à medida em que as bactérias encontram maneiras de evoluir, é necessário desenvolver métodos combativos a essa evolução. “Existem muitos peptídeos que são estudados e outros que são modificados com essa finalidade de combater cepas resistentes. Então, sempre temos que acompanhar essas bactérias que hoje apresentam essa particularidade”.

Resultados

Segundo os pesquisadores, o processo de desenvolvimento de um medicamento demanda análise mais detalhada. Na fase pré-clínica, em laboratório, as pesquisas são testadas de modo isolado no cultivo in vitro - observação em placas de vidro - com a presença de células animais e bacterianas em conflito, que simulam uma infecção. Depois, os testes são realizados in vivo - observação dentro de um organismo - em ensaios com camundongos. Segundo Susana Moreno, geralmente, os testes in vivo são uma tentativa de demonstração do mecanismo pelo qual essa substância age. “Vemos se ela está em uma ação direta sobre a bactéria, em uma atividade microbiana. Muitas vezes, ela pode regular uma infecção ao estimular e fortalecer o sistema imunológico do animal, ao invés de eliminar a bactéria. Tentamos investigar mecanismos que seriam responsáveis por esses eventos”. Por fim, a triagem clínica será feita para analisar a toxicidade dos PAMs, para serem potencialmente testados em humanos.

   Amostra de salmonella estudada in vitro (Foto: Adrian Albuquerque)

O projeto “Desenvolvimento de peptídeos terapeuticamente eficazes para o tratamento de infecções bacterianas sistêmicas” existe há pouco mais de um ano. Osmar Silva afirma que o primeiro artigo dessa linha de pesquisa foi publicado há oito anos, quando descobriram o peptídeo sintético denominado clavanina-MO, que teve origem de um peptídeo antimicrobiano de um Tunicado marinho. A molécula é a mais promissora da pesquisa, pois em testes em camundongos, descobriu-se que ela tem alto potencial para matar linhagens de Escherichia coli e Staphylococcus aureus que são resistentes à maioria dos antibióticos e estão presentes na lista da OMS. Além disso, esse peptídeo tem capacidade de recrutar os leucócitos do sistema imunológico do hospedeiro para o local infeccioso. 

O coordenador ainda ressalta que, no ritmo atual, um derivado da clavanina-MO para ser lançado levará, no mínimo, mais oito anos. “Desenhamos 950 moléculas, as quais foram submetidas a ensaios computacionais para determinar as que possuem maior probabilidade de serem ativas. Dessas 950 sequências iniciais, 230 apresentaram uma probabilidade maior que 95% de serem ativas contra bactérias”. Essas sequências foram enviadas para o MIT e serão analisada de modo mais detalhado quanto a toxicidade. 

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