SAÚDE

Mato Grosso do Sul é o oitavo estado com maior número de recusas de doação de órgãos

Desconhecimento e falta de verbalização em vida são as principais razões para o alto índice de recusas

Gabriela Santos, Lua Souza e Renata Barros24/09/2018 - 11h06
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Mato Grosso do Sul tem o oitavo maior índice de negativas de doação de órgãos do Brasil, de acordo com dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT). O levantamento aponta que, em 2017, foram realizadas 133 entrevistas com familiares de possíveis doadores e que deste número 76 desautorizaram a doação, o que representa 57% de negativa. O percentual está acima do registrado na região Centro-Oeste (53%) e no Brasil (42%).

   Rodrigo Gomes atua na Opo desde 2014
   (Foto: Gabriela Santos)

De acordo com o enfermeiro e integrante da Organização de Procura de Órgãos (Opo) da Santa Casa de Campo Grande, Rodrigo Gomes o desconhecimento do processo de doação é a maior causa das recusas. “Quando nós fazemos as entrevistas percebemos que as famílias não têm informações, não sabem como funciona. Existe muito tabu ligado à doação de órgãos”. O enfermeiro aponta que a manifestação em vida do desejo de doar órgãos também é fator importante para a decisão dos familiares. “Às vezes a pessoa até era doadora, mas como ela nunca falou a família recua”.

A lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, indica que a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica depende da autorização do cônjuge ou parente maior de idade que obedeça à linha sucessória até o segundo grau.

A doação pode ser de órgãos como rim, fígado, coração, pâncreas e pulmão ou de tecidos como córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem, medula óssea e sangue de cordão umbilical. O rim, parte do fígado e da medula óssea podem ser doados em vida. A doação de órgãos de pessoas falecidas é realizada depois da confirmação do diagnóstico de morte encefálica.

Mato Grosso do Sul possui uma central que é responsável por gerenciar as atividades relacionadas à doação e transplantes. A coordenadora da Central Estadual de Transplantes de Mato Grosso do Sul (CET-MS), Claire Miozzo explica que a Central é a única responsável pelo processo no estado. “Nós pertencemos ao organograma da Secretaria do Estado de Saúde e somos responsáveis por coordenar todas as atividades de transplante no âmbito estadual. Se acontecer uma doação, por exemplo, em Três Lagoas, Dourados, Ponta Porã, Corumbá, tudo é gerenciado por nós aqui em Campo Grande”. A CET-MS é quem gerencia a fila de espera estadual. Claire Miozzo afirma que, para os profissionais da área, a negativa familiar é frustrante e impacta diretamente na fila de espera.

No Brasil, cada estado possui uma central estadual de transplantes que atua junto à Central Nacional de Transplantes (CNT). A Central é responsável por gerenciar a lista nacional de distribuição e organizar a logística de encaminhamento de órgãos de acordo com a necessidade de cada estado.

O Ministério da Saúde divulgou, em setembro de 2017, estatísticas de transplantes no Brasil. As córneas lideraram a lista de transplantes de órgãos, com 7.865 cirurgias e fígado e rim que ficaram empatados com 2.928 cirurgias. O procedimento de transplante de coração é um dos mais arriscados e com o menor número de cirurgias registradas.

  Rodrigues fez transplante de coração há dois anos
  (Foto: Gabriela Santos)

Segundo informações sobre doações e transplantes do Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) é responsável por cerca de 87% de transplantes com recursos públicos. O analista de sistemas aposentado, Washington Rodrigues é receptor de um coração e, segundo ele, todo o processo do transplante foi feito pelo sistema público de saúde. "No meu caso, eu peguei um programa em que eu era atendido por dois, três ou quatro médicos residentes por dia. O Einstein tem uma faculdade de medicina que trabalha com pesquisas para melhorar o processo de transplantes".

Segundo Rodrigues, o sistema de transplantes do Brasil é dividido em etapas e dentro delas há falhas que podem custar a vida do paciente. Para o aposentado, uma das maiores falhas é a falta de preparação de profissionais. "Muitas vezes você tem um doador, tem autorização, mas não tem um médico para tirar o coração. Porque um processo tão complexo quanto colocar o coração, é tirar o coração".

O aposentado Washington Rodrigues ressalta que, além das complicações médicas, o caso ainda pode agravar-se quando aliado a maus hábitos alimentares e vícios. "Eu tive uma alimentação muito desregulada e também fui fumante, mas hoje eu vejo a questão de ser um problema congênito. Ele tem a ver com esses hábitos, mas o meu irmão é atleta, nunca fumou, não bebe, é dois anos mais novo que eu e está com problema de fibrilação".

Em dezembro de 2013, a revista Espaço Aberto da Universidade de São Paulo (USP), publicou um artigo sobre Dilemas e conflitos éticos na doação de órgãos. Entre os dilemas citados pelo artigo, está a falta de conscientização da família. De acordo com Washington Rodrigues, as campanhas são importantes para ajudar na compreensão dos familiares e para aumentar o número de doações de órgãos. Segundo o aposentado, a morte cerebral ainda é algo difícil de ser compreendido pela família, o que ocasiona a negação para doação. "O que mais leva o pessoal a não doar é o medo de tirar o órgão de uma pessoa viva, coisas desse tipo. Onde eu trabalhava existam campanhas de doação de órgãos, tanto que eu tinha uma carteirinha que falava: 'eu sou doador de órgãos'. Eu era sensível a essa questão de poder doar órgãos, e eu sabia que era importante".

Elaborado por Gabriela Santos

 

No dia 27 de setembro comemora-se o Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos e, por este motivo, o Ministério da Saúde denomina o mês como Setembro Verde. A coordenadora da CET-MS, Claire Miozzo ressalta que setembro é o mês dedicado à intensificação das ações relacionadas à doação de órgãos. “Quanto mais a gente falar sobre isso, mais pessoas estarão sabendo o que pode ser feito para se tornar um doador, e eu acho que isso é extremamente importante”.

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