O Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD IV) de Campo Grande é o primeiro da modalidade no país que atende pessoas com quadros graves e intenso sofrimento decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. De acordo com a Portaria Nº 3.588, do Ministério da Saúde, de 21 de dezembro de 2017, a implantação é planejada em municípios e capitais com mais de 500 mil habitantes e considera o cenário local para que o atendimento seja oferecido à população. O número de leitos de acolhimento passou de 12 para 20 no CAPS AD IV, referência de tratamento na capital sul-mato-grossense administrado pela Secretaria Municipal de Saúde Pública (Sesau).
O atendimento oferecido a pacientes crônicos no Centro é interdisciplinar, com 41 profissionais, entre eles enfermeiros, farmacêuticos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e terapeuta ocupacional. A gerente do CAPS AD IV, Adriana Fabretti explica que o tratamento é realizado de acordo com o Projeto Terapêutico Singular (PTS), formulado por meio do quadro pessoal de cada paciente. “Os pacientes acabam desenvolvendo comorbidade, que são várias doenças atreladas. São realizadas reuniões para definir o tratamento dos pacientes e através disso vai ser gerado o Projeto Terapêutico Singular que é do paciente. O que vale para ele não vale para outro”.
De acordo com a psicanalista Marilene Kovalski, o uso de bebidas alcoólicas promove satisfação ao indivíduo, o álcool faz com que o sujeito afaste-se da realidade e serve de refúgio em um mundo próprio. “O sujeito que tem ali sua dificuldade em lidar com o mundo, ele acha única saída esse amortecimento das relações sociais, então isso seria para ele o vício, levando então uma compulsão e uma repetição desse comportamento”.
Para Adriana Fabretti, o álcool é uma das drogas lícitas que mais preocupa quando o indivíduo está em estado de abstinência. “Um certo período de uso disso vai causando alguns problemas graves em termos físicos, mas o que mais assusta é que o paciente vai demenciando, vai perdendo algumas funções cognitivas muito grandes. Quando não mata, demencia”.
De acordo com relatório divulgado pela Sesau, entre os meses de janeiro e outubro de 2018, o CAPS AD IV da capital realizou 770 atendimentos de pessoas com transtornos mentais e comportamentais decorrentes do uso de álcool e 2.560 atendimentos resultante do consumo alcoólico, aliados à síndrome de dependência. A faixa etária da maioria dos pacientes varia de 20 a 60 anos.

De acordo com relatório global do consumo de álcool divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo excessivo de álcool foi responsável pela morte de, aproximadamente, três milhões de pessoas em 2016. O estudo aponta que 28% das mortes relacionadas ao álcool são causadas por lesões em acidentes de trânsito, autolesão ou violência interpessoal; 21% são ocasionadas por distúrbios digestivos e 19% das mortes estão ligadas a doenças cardiovasculares. Segundo o relatório, cerca de 13,5% das mortes entre pessoas entre 20 e 29 são atribuídas ao consumo de álcool no mundo.
A psicanalista Marilene Kovalski explica que há uma relação entre o uso de bebidas alcoólicas e de drogas ilícitas e que o uso de ambos é prejudicial à estrutura física, neurológica, social e psíquica do indivíduo. A profissional ressalva que os jovens estão mais sujeitos ao contato e consumo de drogas e bebidas. “Na adolescência, o adolescente reedita o que viveu na vida infantil, então é como se ao chegar na adolescência ele tivesse que fazer o uso de seus recursos psíquicos para lidar com a realidade, seja na relação com a escola, na relação afetiva, relação social, então é ali que o sujeito vai precisar de seus recursos e se esses recursos são precários, de acordo com essa relação estabelecida com o outro, ele vai fazer o movimento de buscar o álcool ou a droga como forma de amortecimento do seu mal estar, do seu sofrimento. Está em um período bem mais favorável”.
Alcoólicos Anônimos
O Alcoólicos Anônimos (AA) - Grupo São Paulo é o primeiro fundado em Mato Grosso do Sul. O grupo, localizado em um espaço cedido pela Paróquia São Francisco de Assis, foi criado em 24 de agosto de 1972 e recebe, em média, 50 pessoas por reunião. Atualmente, existem 16 grupos espalhados pelos bairros da capital. João* frequenta as reuniões do grupo São Paulo há 39 anos e explica que o Alcoólicos Anônimos proporciona uma troca de experiências por meio do diálogo entre dependentes que passam por situações semelhantes. “A pessoa através da minha convivência, da minha experiência, da experiência do outro, se identifica com a situação, capta a mensagem e acaba compartilhando experiências. O que é difícil de assumir para o médico, por exemplo”.
Maria* frequenta o AA há 44 anos e afirma que o grupo funciona como uma comunidade de troca de experiências baseadas em literatura sobre o assunto. “Como embasamento temos algumas literaturas, temos também reuniões de estudo para tomar conhecimento da literatura que vai auxiliar o alcoólico a desenvolver a capacidade de entender o que é o alcoólicos anônimos e deter a compulsão pelo álcool”.
O principal objetivo das reuniões é proporcionar o controle do vício e promover a inclusão das pessoas em recuperação, por meio do contato com casos semelhantes. João ressalta que a exclusão sofrida por quem possui a compulsão pelo álcool influencia diretamente no relacionamento com a família, no trabalho, com os amigos e com a sociedade. “O objetivo é transmitir a mensagem. O alcoolismo prejudica o alcoólico e as outras pessoas são atingidas por seus efeitos. Mesmo se a pessoa não é alcoólica, o vício vai interferir de alguma forma na vida dela”.
O livro Linguagem do Coração, obra adotada como literatura base pelo grupo, descreve que, conforme a comunidade cresce na sociedade, se transformará numa organização que recuperará os alcoólicos, trabalhará com crianças e adolescentes na recuperação e prevenção de danos. “Não é só tirar o álcool, é bem mais profundo. É trazer para a sociedade uma nova maneira de viver sem o álcool”.
*Nome alterado para preservar a identidade da fonte.
Serviço
Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD IV)
Endereço: Rua Teotônio Rosa Píres, 19 - Vila Rosa Pires, Campo Grande - MS
Telefone: (67) 3314-3756
Alcoólicos Anônimos - Grupo São Paulo
Endereço: Rua 14 de Julho, 4213 - Monte Castelo, Campo Grande - MS
Telefone: (67) 3383-1871