LEGISLAÇÃO

Lei que pune atos discriminatórios por racismo entra em vigor no Estado

Proposta de lei foi elaborada após caso de racismo em 2017 na capital

Camila Andrade, Raquel Eschiletti e Rúbia Pedra24/09/2019 - 09h41
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Lei que estabelece sanções administrativas para pessoas e estabelecimentos que praticaram atos discriminatórios por motivo de raça ou cor foi aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul e sancionada pelo governador do estado, Reinaldo Azambuja no dia quatro de setembro. A lei objetiva suprir a falta de especificações nas legislações de racismo existentes e garantir a eficácia das denúncias. Um caso de discriminação racial em restaurante da capital motivou a elaboração do projeto. 5.388 de autoria do deputado estadual Pedro Kemp (PT).

A Lei permite que os atos discriminatórios sejam apurados em processo administrativo mediante a reclamação da pessoa que sofreu discriminação racial. De acordo com o deputado, as medidas administrativas foram escolhidas como penalidades para corresponderem à competência da Assembleia Legislativa e complementar a legislação federal. “É de competência da Assembleia Legislativa especificar melhor as situações de discriminação racial que muitas vezes não são consideradas pelas autoridades policiais. Estabelecer essas medidas disciplinares permite que as pessoas possam também responder disciplinarmente e sofrer algumas sanções previstas então nessa lei”.

As sanções serão advertência, suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 dias, cassação da licença para funcionamento e multa de um mil Unidade Fiscal Estadual de Referência de Mato Grosso do Sul (Uferms), equivalente a R$ 28.770,00. A punição poderá chegar a três mil Uferms, que corresponde a R$ 86.310,00, se houver reincidência. A multa deverá ser aplicada de acordo com as condições socioeconômicas do autor da ação.

Segundo o deputado Pedro Kemp, foi criado um grupo de trabalho voltado para as ações em defesa da igualdade racial a partir de um encontro com representantes do movimento negro na Assembleia Legislativa para auxiliar nos processos da lei. O grupo terá a participação da secretária de Estado de Cidadania, Luciana Azambuja e da subsecretária de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial, Ana José Alves.   

Para Kemp, as intervenções são necessárias por questões de infraestrutura e pela necessidade de uma nova organização para realizar o procedimento de apuração das denúncias. 

Caroline* foi vítima de um caso de discriminação em um restaurante da capital em 2017 e se tornou o motivo para a elaboração da lei. Ela foi julgada como mendiga em um restaurante por causa de seu cabelo e sua cor. O incidente gerou repercussão após uma declaração publicada nas redes sociais da vítima. “É tão triste, tão revoltante e tão doloroso. Chegando no restaurante aqui perto do trabalho para comprar minha marmita. Visto um jeans rasgado, uma camiseta e nos pés meu tênis predileto. Tranças soltas, nada de maquiagem, nada de acessórios. A marmita demora um pouco a sair pela primeira vez, de repente vem o gerente e pede para eu me retirar que eles não dão comida de graça. Já tremendo sem acreditar no que está acontecendo eu explico que pedi a marmita e que vou pagar por ela. O gerente ri e me pede desculpa com a seguinte frase 'Mas também, com esse cabelo, dá para enganar que é uma mendiga'. Até quando... eu me pergunto até quando”. 

A vítima deixou de prestar queixa formal por se sentir intimidada quando soube da repercussão que o caso teve. Para a coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Rosana Cláudia Franco o motivo que costuma impedir as vítimas de prestar queixa está relacionado ao racismo estrutural da sociedade. “Vivemos dentro de uma sociedade que foi moldada em uma falsa ideia de democracia racial, mesmo sendo maioria, as pessoas negras foram educadas para que não respondessem nenhum tipo de comportamento racista”. 

A coordenadora complementa que as ofensas tentam ser justificadas como ''brincadeira'' e que a população recusa a entender a gravidade do problema, o que resulta em um comportamento racista da sociedade. “Diante de um país onde a reclamação desse tipo de ato é considerada por pessoas brancas como um ato de melindre, os negros deixam passar porque não se sabe o que vai acontecer com essa denúncia, se vão levar horas, dias ou meses para ser julgada. A pessoa prefere não abrir uma queixa a ter que revitimizar-se e ver diante de alguns órgãos que aquela denúncia não vai ser levada em consideração”. 

De acordo com o advogado Gustavo Scuarcialupi, o processo burocrático para dar continuidade a essas denuncias é extenso. Ele afima que otimizar o processo foi uma das motivações da lei sancionada e que as sanções administrativas são de maior efetividade em casos de discriminação. “O direito se divide em tipos e é necessário entendê-los para poder compreender a lei. Nós já temos uma lei de punição penal de competência da união que pune crime de injúria racial, no entanto essa legislação é um pouco mais complexa de ser colocada em prática”.

Para a coordenadora Rosana Cláudia Franco, a lei foi sancionada em um momento necessário para a luta do movimento negro, e precisa de ampla divulgação para que as pessoas consigam confirmar os resultados. Ela afirma que as pessoas que se negam a confiar na efetividade da lei que as pessoas que cometerem esse delito serão punidas de acordo com as medidas aplicadas, e servirão de incentivo para outras pessoas denunciarem os casos de discriminicação racial. “A gente ainda não fala sobre o racismo, precisamos fazer o trabalho de escuta e de conversa dentro desses ambientes, e fazer reeducação”.

Serviço

Em caso de racismo, disque 100.

*Nome fictício.

Atos a serem punidos administrativamente de acordo com a nova Lei. (Raquel Eschiletti)
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