REORIENTAÇÃO SEXUAL

Comunidade LGBT critica resolução que permite tratamento de reorientação sexual

Marcha “Homossexualidade não é doença - Trate seu preconceito” que teve concentração na Praça do Rádio uniu militantes e simpatizantes

Eduardo Juliace, Helton Oliveira, Norberto Liberator 9/10/2017 - 10h42
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A marcha “Homossexualidade não é doença - Trate seu preconceito” reuniu militantes e simpatizantes dos movimentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgênero (LGBT) na Praça do Rádio, no domingo, 1º,  para protestar contra a interpretação dada pelo juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, sobre a resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe psicólogos de tratarem a homoafetividade como doença. A decisão do juiz é favorável à possibilidade de os psicólogos reorientarem sexualmente pessoas LGBT.

A Organização Mundial da Saúde  (OMS) retirou a homossexualidade da lista de doenças ou distúrbios em 1990. Em 1999 o CFP publicou a resolução (01/99) que auxiliava os psicólogos a tratar do tema. O Conselho seguiu a Classificação Internacional de Doenças (CID) n.º 10 de 1990, onde afirma que “a orientação sexual por si não deve ser vista como um transtorno”.

A resolução proíbe o psicólogo de participar de eventos que tratem a homossexualidade como desvio de comportamento e de tratar publicamente a condição sexual  como distúrbio.
O juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu liminar que dá nova interpretação da resolução e permite tratamento e a reorganização do indivíduo por meio de ação de psicólogo, para redirecionar sua orientação sexual se solicitado. O CFP entrou com recurso contra a decisão do juiz e conseguiu a anulação da liminar em caráter temporário. 

Marcha por direitos

O servidor público Diego Rodrigues, presente no evento “Homossexualidade não é doença - Trate seu preconceito”, acredita que tratamentos de reorientação sexual resultariam em problemas psicológicos e sociais para as pessoas que o procuram. “Há uma pressão da família, às vezes da igreja, da escola, para que as pessoas LGBT modifiquem sua maneira de ser. Então, se alguém procurar por um tratamento desses, não vai ser por livre e espontânea vontade, vai ser por uma pressão social”.

Ele afirma que há interesse financeiro de grupos políticos e religiosos com objetivo de oferecer a chamada “cura gay” em clínicas. “Existem comunidades terapêuticas ligadas a algumas religiões, que oferecem um apoio ou uma espécie de tratamento para que as pessoas possam reverter sua condição sexual. Eles estão querendo legitimar o serviço que eles estão oferecendo”.

As auxiliares de enfermagem Lea Waleska Gomes e Jaqueline Silva, casadas há quatro anos, estiveram na marcha e não acreditam que exista reversão sexual. Lea Gomes diz que o juiz agiu de forma precipitada. “Acho que tem uma preocupação de facilitar a quem quer procurar um tratamento, um acompanhamento psicológico. Ele fazer uma liminar, deferir  e tratar de uma forma genérica, é preconceito mesmo. Acho que ele vai ter que se retratar”.

Jaqueline Silva afirma que “não há cura para o que não é doença” e que o tratamento psicológico é importante para a compreensão pessoal e da família. Ela diz que os filhos precisam respeitar o processo de aceitação por parte dos pais. “Não é fácil para pai e mãe nenhum, aceitar de primeira: ‘ah, meu filho é gay, sou obrigado a aceitar porque é meu filho’. Não é fácil para ninguém”.

O atendente de telemarketing David Cardoso, participante do evento, acredita que a eventual aprovação da liminar implicaria em tratamentos forçados de reorientação sexual. “Os pais vão colocar nas cabeças, porque psicólogo é para ajudar a gente. Então ele vai fazer você se sentir uma pessoa mais lixo do que já está se sentindo”. Cardoso afirma que teve dificuldades para assumir sua homossexualidade. “No começo foi bem difícil, eu fiquei com depressão. Eu não me aceitava. Com esse negócio de cura gay, muito mais gente vai sentir isso”.

Questão jurídica

A decisão do juiz não altera as normas do CFP. Ela acata o pedido de liminar da psicóloga Rozangela Alves Justino contra o Conselho, que a impediu de realizar a chamada “cura gay” em 2009, depois de representação acatada em 2007 pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) contra a profissional.

A defesa de Rozangela Justino alegou, em ação popular, que a decisão do CFP representa “censura” contra os profissionais que “desenvolvem estudos, atendimentos e pesquisas científicas acerca dos comportamentos ou práticas homoeróticas” e que “constitui-se em ato lesivo ao patrimônio cultural e científico do País”.

O advogado Igor Santos afirma que a decisão do juiz federal está atrasada. “Ela foi tomada com muito tempo de atraso. Desde o início dos anos 90, a OMS não considera mais a homoafetividade uma doença”. Santos acredita que a função dos psicólogos neste caso é auxiliar as pessoas que passam por problemas devido à condição sexual. “Você não vai tratar a homoafetividade, mas as consequências sociais da homoafetividade na vida da pessoa”.

Ele explica que a decisão não contraria a Lei. “O psicólogo continua não podendo falar que a homoafetividade é um distúrbio, não podendo participar de eventos que tratem sobre isso”. Para Santos, há problema na forma como a resolução trata a homoafetividade. “Ele coloca a homossexualidade como algo a ser tratado. Terapia é processo de descobertas, o indivíduo descobre quem ele é; se vem um psicólogo e diz quem ele é, é interferência externa”.

O sociólogo e professor no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Tiago Duque nega que a proibição da reorientação sexual seja censura ao trabalho dos psicólogos. “No caso da cura gay, é uma ameaça de direitos e não uma garantia de direitos. Mas ela não pode se apresentar como ameaça, então ela diz que é uma liberdade de expressão”.

Ele diz que o debate sobre gênero no Brasil se intensificou desde os anos 1990 e isso gerou reações de grupos contrários aos direitos LGBT. “Esse avanço talvez não seja suficiente para acabar com o preconceito, mas é um avanço. Evidentemente, isso vai causar várias reações que vão prejudicar a comunidade LGBT”.

A psicóloga Letícia Cury afirma que o papel do profissional é contrário à ideia de reorientação sexual. “A sexualidade é uma expressão de nosso psiquismo. Nosso dever como profissionais é amparar o paciente em seu sofrimento e buscar junto a ele compreender os significados dos conteúdos que ele nos traz”.

Ela acredita que, em vez de ajudar, a proposta possibilita mais problemas para a comunidade LGBT. “A aprovação dessa medida fomenta ainda mais o preconceito e a homofobia, logo pode causar danos psíquicos às pessoas”.

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