VIOLÊNCIA INFANTIL

Campo Grande registra 94 notificações de abuso infantil em 2017

Em 75% das notificações registradas pela SESAU o agressor é conhecido da vítima

Diego Eubank, João Victor Reis, Raira Rembi28/11/2017 - 08h35
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A Secretaria Municipal de Saúde Pública (SESAU) de Campo Grande registrou 94 notificações de abuso infantil neste ano, de janeiro a setembro. De acordo com levantamento realizado pela SESAU, 75% dos casos de abuso infantil na capital, em 2017, foram praticados por conhecidos da vítima, como amigos, parentes ou cuidadores. O levantamento revela que a maior parte das vítimas é menina, que representa 85% das notificações em 2016. 

A enfermeira e vigilante epidemológica da Sesau, Lucyana Justino identificou por meio de pesquisa que a violência acontece mais frequentemente contra adolescentes do sexo feminino. “Conseguimos identificar que as adolescentes na faixa etária de 12 a 14 anos, foram as que mais sofreram violência sexual e teve-se um alto índice de reincidência que equivale a 41,3 %”.

De acordo com Lucyana Justino, as regiões com maior incidência do abuso sexual infantil são Mata do Segredo, Imbirussu e Bandeira.  “Identificamos que as regiões que tinham maior índice foram nos bairros Moreninhas, no Centenário, Nova Lima, Noroeste, Santo Amaro, Vila Popular”. Segundo ela o recorte regiões mostra vulnerabilidade social. “Concluímos que a populações de maior vulnerabilidade social têm maior registro, teve um contraponto às regiões centrais e consideradas de maior bem aquisitivo não tiveram tantas notificações, mas existe o questionamento, não teve casos ou esses casos foram escondidos?”.

Para Lucyana Justino é possível indentificar na pesquisa que a maioria dos casos são cometidos por familiares ou amigos. “São agressões intrafamiliares, por padrastos, tios, amigos de família. Foram poucos casos de pessoas desconhecidas que praticaram a violência, também foi constatado o uso de álcool ”. De acordo com Lucyana Justino o número de registros do sexo masculino ser menor indica preconceito. “Apesar do número de adolescentes do sexo masculino ser pequeno essas notificações podem ser reduzidas por conta do preconceito e do esteriótipo da homossexualidade e medo dos familiares”.

A coordenadora do Conselho Tutelar, Vânia Nogueira relata que as unidades existentes em Campo Grande são insuficientes para atender a população da capital. “Aqui em Campo Grande nós temos três conselhos tutelares. A resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescentes (CONANDA) diz que para cada 100 mil habitantes é necessário um conselho tutelar. Campo Grande hoje teria que ter nove. Como são três conselhos trabalhando para uma população de 900 mil habitantes, fica complicado. Nosso sistema, às vezes, não funciona e nossa internet não suporta um registro virtual”. Segundo a coordenadora, a Prefeitura de Campo Grande planeja dois novos conselhos. "Já existe um quarto conselho, mas ele não possui lugar físico, está sendo planejado. No momento há planos para a criação de um quinto conselho".

De acordo com Vânia Nogueira a maior parte das denúncias são contra alguém da própria família da vítima.  "Os agressores geralmente são padrastos, tios, pais. Se foi alguém da casa, é pedido um afastamento dessa pessoa da casa. Se a mãe não é conivente da situação, ela provavelmente vai pedir para a pessoa ir embora. Se ela não acreditar na criança, a mãe prefere abrir mão da filha ou filho". Segundo Vânia Nogueira nos três últimos meses ocorreram dois casos. "Tivemos uma menina de 11 anos que foi para o abrigo porque a mãe disse que ela era mentirosa e que não ia colocar o companheiro fora de casa".

Vânia Nogueira relata que a violência infantil acontece em vários bairros da capital, independente da região.  “A maior parte da violência é a física e a sexual, que estão geralmente juntas. Acontecem com mais frequência em lugares com vulnerabilidade. Acontece também em bairros considerados mais ricos, só que esses casos são mais difíceis de chegar até o conselho tutelar. Em bairro mais periféricos, fica mais fácil de denunciar pois fica mais visível, o vizinho tem mais contato com a família do lado”.

Mapa dos bairros de Campo Grande segundo o números de abusos infantis denunciados. (Fonte: Lucyana Justino)

O abandono da criança violentada ocorre principalmente quando o abuso acontece no ambiente intrafamiliar, pelo pai, padrasto ou tio. De acordo com a psicanalista Viviane Vaz é incomum que uma criança minta sobre isso. “O abuso gera um sentimento de culpa muito grande, além da vergonha e medo. Se a criança fala para a mãe que foi violada ela já está rompendo um princípio dela”. A psicanalista afirma que a mãe tem a tendência de considerar como mentira a revelação da criança, principalmente quando o abusador é também o provedor da família. “É mais difícil para a mãe acreditar naquela criança porque ela tem medo de ficar sem aquele provedor, por um senso de incapacidade ela prefere acreditar que a criança está mentindo”.
 
Segundo Viviane Vaz o crescimento de uma criança sexualmente abusada sem tratamento é marcado pela autodestruição. “A ideação suicida é muito comum em vítimas de abuso, assim como a compulsão pela automutilação. Isso acontece por conta da pessoa sentir raiva da própria vida e querer tirar a dor de dentro dela”.

Viviane Vaz faz parte de um projeto que presta assistência psicossocial à vítimas de abuso e exploração sexual. De acordo com a psicanalista o projeto oferece tratamento psicológico e psiquiátrico às vítimas. “A criança que foi abusada e tornou-se adulta sem tratamento precisa de um apoio social para se reinserir socialmente e sair da situação de vulnerabilidade. O abuso sexual gera dificuldade de aprender e se relacionar, além da incapacidade de trabalhar, no caso dos adultos”.
 

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