O estado de Mato Grosso do Sul lidera o ranking de estupros no Brasil. De acordo com o levantamento do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2017, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado apresenta 54,4 casos de estupros notificados em registros de ocorrências policiais para cada 100 mil habitantes. A maioria da vítimas são adolescentes, com faixa etária de 12 a 17 anos.
No Brasil, a taxa por 100 mil habitantes passou de 23,2 em 2015, para 24 em 2016. Nesse último ano, ao todo foram 49.497 casos registrados, o que representa a ocorrência de um estupro a cada 11 minutos no país. De acordo com a Lei Federal 12.015 de 2009, houve alteração na conceituação de "estupro", que passou a incluir, além da conjunção carnal, os atos libidinosos e atentados violentos ao pudor.
O balanço do Anuário aponta que a vítima desse crime é preferencialmente a mulher, entre 85 a 88% dos casos. Em relação aos agressores, estima-se que em torno de 90% são homens. A pesquisa ainda registra que Mato Grosso do Sul possui 12 delegacias de atendimento à mulher em situação de violência e apresenta taxa de 0,9 por 100 mil mulheres, segunda maior do país.
Segundo levantamento feito pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em 2017, foram registrados 1.584 casos em Mato Grosso do Sul. Até o mês de março deste ano, 317 denúncias foram notificadas.
De acordo com a delegada adjunta da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), Marília Martins o estupro de crianças e adolescentes é subnotificado por se tratar, na maioria dos casos, de um crime intrafamiliar. “São crimes às escondidas, velados e, muitas vezes, até a própria família quer colocar para debaixo do tapete. É um fato muito difícil para qualquer família. Muitas vezes se tem uma avó que quer defender o neto, mas o próprio filho é o agressor. Então, é uma dualidade de sentimentos muito forte, ninguém quer encarar o fato de ter um estuprador na família e esse rompimento familiar também não é desejado. Por isso, preferem esconder, não denunciam e nem pedem para o agressor parar de fazer aquilo”.
Marilia Martins afirma que o relato da vítima acontece muitos anos após a infância, que é, geralmente, revelado para amigos próximos. A delegada ressalta que o acolhimento humanizado da vítima é essencial para se obter uma descrição espontânea do crime contra a dignidade sexual. “O setor psicossocial da DEPCA faz um atendimento especializado, com o objetivo de minimizar o dano, evitar aquela revivência. Os profissionais estabelecem um rapport com a vítima (comunicação caracterizada pela harmonia), no sentido de se estabelecer uma confiança para que ela apresente um relato espontâneo dos fatos. Então, a vítima não é inquirida sobre os fatos, ela relata espontaneamente e isso é colocado no relatório de atendimento”.
A subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres do Estado de Mato Grosso do Sul (SPPM/MS), Luciana Azambuja atribui o elevado número de registros de ocorrências à ampliação dos mecanismos de assistência e proteção às mulheres no estado. “As mulheres têm mais conhecimento dos seus direitos por causa de todas as campanhas que são feitas e pela facilitação do acesso ao sistema de justiça e serviços da rede de proteção. Mas, mesmo assim, esses índices para mim se atribuem ao machismo, que é responsável por matar, estuprar, violar os direitos das mulheres. Ao meu ver, a violência sempre existiu, mas agora ela está sendo mais denunciada. Mais de 90% dos casos são homens, que se julgam superiores às mulheres e que as tem como objeto de prazer, para limpar casa e cozinhar. Existem homens que, lamentavelmente, acham que as mulheres todas estão à sua disposição”.

mecanismos de denúncia (Foto: Lucas Castro)
Luciana Azambuja reitera que, para aumentar as possibilidades de punição do estuprador, a vítima deve se dirigir imediatamente a uma delegacia após ter sofrido violência sexual. “Entendo perfeitamente aquele desejo de tomar um banho, se livrar daquela dor, sujeira, e até ficar dois meses sem contar isso para alguém, mas o melhor a se fazer é procurar uma delegacia para registrar a ocorrência com todas as provas, realizar exame de corpo de delito e coleta de material biológico do criminoso. Quando ela demora, dificulta a identificação da autoria desse agressor. Além disso, ao procurar ajuda imediata, a vítima aumenta as chances de se prevenir de doenças sexualmente transmissíveis e de uma gravidez indesejada”.
Para a juíza e titular da Vara de Medidas Protetivas na Casa da Mulher Brasileira, Jacqueline Machado o crime de estupro é subnotificado, pois as mulheres se sentem desconfortáveis em fazer a denúncia. “Ela tem receio de ser julgada sobre o porquê de estar em determinado lugar durante o crime e o que ela fez para provocar aquilo. Ainda existe esse estereótipo de atendimento nos órgãos de denúncia. Mas, por outro lado, vejo que a mulher aqui em Mato Grosso do Sul passou a entender que a culpa não é dela em razão do estupro e começou a realmente denunciar, porque a culpa nunca é da vítima e sempre do agressor, do criminoso que não consegue controlar os seus instintos e comete esse crime absurdo contra a mulher. Não há justificativa para esse tipo de delito”.