ESTUPRO

Mato Grosso do Sul lidera ranking de estupros no país

A maioria dos crimes de estupro é cometido por pessoas próximas às vítimas

Adrian Albuquerque, Gabriela Coniutti e Lucas Castro23/04/2018 - 23h47
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O estado de Mato Grosso do Sul lidera o ranking de estupros no Brasil. De acordo com o levantamento do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2017, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado apresenta 54,4 casos de estupros notificados em registros de ocorrências policiais para cada 100 mil habitantes. A maioria da vítimas são adolescentes, com faixa etária de 12 a 17 anos.

No Brasil, a taxa por 100 mil habitantes passou de 23,2 em 2015, para 24 em 2016. Nesse último ano, ao todo foram 49.497 casos registrados, o que representa a ocorrência de um estupro a cada 11 minutos no país. De acordo com a Lei Federal 12.015 de 2009, houve alteração na conceituação de "estupro", que passou a incluir, além da conjunção carnal, os atos libidinosos e atentados violentos ao pudor. 

O balanço do Anuário aponta que a vítima desse crime é preferencialmente a mulher, entre 85 a 88% dos casos. Em relação aos agressores, estima-se que em torno de 90% são homens. A pesquisa ainda registra que Mato Grosso do Sul possui 12 delegacias de atendimento à mulher em situação de violência e apresenta taxa de 0,9 por 100 mil mulheres, segunda maior do país.

Segundo levantamento feito pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em 2017, foram registrados 1.584 casos em Mato Grosso do Sul. Até o mês de março deste ano, 317 denúncias foram notificadas.

De acordo com a delegada adjunta da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), Marília Martins o estupro de crianças e adolescentes é subnotificado por se tratar, na maioria dos casos, de um crime intrafamiliar. “São crimes às escondidas, velados e, muitas vezes, até a própria família quer colocar para debaixo do tapete. É um fato muito difícil para qualquer família. Muitas vezes se tem uma avó que quer defender o neto, mas o próprio filho é o agressor. Então, é uma dualidade de sentimentos muito forte, ninguém quer encarar o fato de ter um estuprador na família e esse rompimento familiar também não é desejado. Por isso, preferem esconder, não denunciam e nem pedem para o agressor parar de fazer aquilo”.

Marilia Martins afirma que o relato da vítima acontece muitos anos após a infância, que é, geralmente, revelado para amigos próximos. A delegada ressalta que o acolhimento humanizado da vítima é essencial para se obter uma descrição espontânea do crime contra a dignidade sexual. “O setor psicossocial da DEPCA faz um atendimento especializado, com o objetivo de minimizar o dano, evitar aquela revivência. Os profissionais estabelecem um rapport com a vítima (comunicação caracterizada pela harmonia), no sentido de se estabelecer uma confiança para que ela apresente um relato espontâneo dos fatos. Então, a vítima não é inquirida sobre os fatos, ela relata espontaneamente e isso é colocado no relatório de atendimento”.

A subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres do Estado de Mato Grosso do Sul (SPPM/MS), Luciana Azambuja atribui o elevado número de registros de ocorrências à ampliação dos mecanismos de assistência e proteção às mulheres no estado. “As mulheres têm mais conhecimento dos seus direitos por causa de todas as campanhas que são feitas e pela facilitação do acesso ao sistema de justiça e serviços da rede de proteção. Mas, mesmo assim, esses índices para mim se atribuem ao machismo, que é responsável por matar, estuprar, violar os direitos das mulheres. Ao meu ver, a violência sempre existiu, mas agora ela está sendo mais denunciada. Mais de 90% dos casos são homens, que se julgam superiores às mulheres e que as tem como objeto de prazer, para limpar casa e cozinhar. Existem homens que, lamentavelmente, acham que as mulheres todas estão à sua disposição”.

   Luciana Azambuja acredita que o estado tem amplos
   mecanismos de denúncia (Foto: Lucas Castro)

Luciana Azambuja reitera que, para aumentar as possibilidades de punição do estuprador, a vítima deve se dirigir imediatamente a uma delegacia após ter sofrido violência sexual. “Entendo perfeitamente aquele desejo de tomar um banho, se livrar daquela dor, sujeira, e até ficar dois meses sem contar isso para alguém, mas o melhor a se fazer é procurar uma delegacia para registrar a ocorrência com todas as provas, realizar exame de corpo de delito e coleta de material biológico do criminoso. Quando ela demora, dificulta a identificação da autoria desse agressor. Além disso, ao procurar ajuda imediata, a vítima aumenta as chances de se prevenir de doenças sexualmente transmissíveis e de uma gravidez indesejada”. 

Para a juíza e titular da Vara de Medidas Protetivas na Casa da Mulher Brasileira, Jacqueline Machado o crime de estupro é subnotificado, pois as mulheres se sentem desconfortáveis em fazer a denúncia. “Ela tem receio de ser julgada sobre o porquê de estar em determinado lugar durante o crime e o que ela fez para provocar aquilo. Ainda existe esse estereótipo de atendimento nos órgãos de denúncia. Mas, por outro lado, vejo que a mulher aqui em Mato Grosso do Sul passou a entender que a culpa não é dela em razão do estupro e começou a realmente denunciar, porque a culpa nunca é da vítima e sempre do agressor, do criminoso que não consegue controlar os seus instintos e comete esse crime absurdo contra a mulher. Não há justificativa para esse tipo de delito”.

A juíza ainda afirma que a solução para crimes contra as mulheres está na educação e discussão sobre gênero voltada para os homens, desde a infância. “Acredito que o aumento de pena nesse país não resolve nada. A solução parte de um local comum, que é a educação. Temos que mudar a forma como os meninos veem as meninas, não só ser educado só para respeitá-las, mas também para entender que aquela elas também são seres humanos como ele, merece e tem os mesmos direitos, tem que ser respeitada por isso. As mulheres têm condições e capacidade para fazer tudo o que os homens fazem e eles devem aprender isso desde pequenos”. 

Segundo a delegada titular da Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), Ariene Souza as penas previstas no Código Penal brasileiro deveriam ser readequadas. “O Código é antigo, de 1940. Nele, existe ainda uma grande diferença de penas entre a importunação ofensiva e a pena do estupro, que exige uma violência ou grave ameaça à mulher. Acredito que falta uma pena intermediária para constrangimentos sem violência ou grave ameaça à prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso, como por exemplo, para casos de atos violentos praticados dentro de ônibus. Além disso, sou uma defensora do aumento das penas para casos de estupro”.

   Ariene Souza defende o aumento da pena para estupro
   (Foto: Adrian Albuquerque)

Ariene Souza afirma que, a partir do momento em que o estuprador é identificado por diligências, o setor de investigação da DEAM é acionado concomitantemente ao atendimento da vítima. “Nós da DEAM registramos o boletim de ocorrência e, no caso da identificação do agressor, ele é trazido à delegacia e vítima é solicitada a fazer o reconhecimento pessoal. Se possível, autuamos esse estuprador em flagrante e delito. A partir daí, são feitos os procedimentos do inquérito policial e o encaminhamento do caso ao Ministério Público Estadual”.

A estudante do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Bárbara Ortega relata que, em Campo Grande, o principal problema enfrentado pelas mulheres é o assédio diário nas ruas. “Eu me sinto pequena quando isso acontece, porque não sei o que eu posso fazer na hora, quando é comigo ou com alguma colega minha. Todas as vezes que eu saio na rua, sinto medo, principalmente quando estou sozinha”. 

A acadêmica do Turismo da UFMS, Geice Feitosa ressalta que o sentimento de impunidade é o principal motivo para que homens assediem as mulheres nas vias públicas do município. “O assédio acontece com muita frequência em Campo Grande, infelizmente. Eles acham que têm um poder acima das mulheres, a certeza de que nenhuma mulher irá falar nada quando ele a assediar ao dirigir uma moto ou carro. Eles acreditam que nós temos medo e que as chances de uma resposta ou xingamento são mínimas. Ao homem que buzinar para mim, proponho que procure se informar, conversar com as mulheres do seu convívio e procurar saber o que elas sentem quando isso acontece. Se todos os homens fizerem isso, provavelmente esse quadro de assédio diário possa vir a mudar”.

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