Imigrantes e refugiados em Mato Grosso do Sul reclamam a falta de assistência das instituições públicas e buscam apoio de entidades não governamentais para contornar a burocracia no atendimento. O Estado ocupa a oitava posição do ranking que estabelece a quantidade de estrangeiros no país, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo informações publicadas pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (Sedhast), há 4.500 estrangeiros em Campo Grande.
O senegalês Hassane Salane Sene, 32, chegou ao Brasil há três anos anos para trabalhar como soldador e encontrou emprego na cidade gaúcha de Caxias do Sul. “Eu consegui um trabalho na [empresa] Marcopolo. Mexer com solda, montar ônibus e desmontar. Daí fiquei lá até ano passado, em que perdi meu emprego, chegou a crise e eles mandaram tudo embora, daí eu mudei para cá”.
Sene foi registrado como vendedor ambulante pela Prefeitura no Terminal Bandeirantes, onde vende produtos como bonés, meias e fones de ouvido. “Eu fui sorteado para trabalhar, porque tem que cadastrar para legalizar aqui. Ganhei essa banca, fico trabalhando, pago minhas contas e mando dinheiro para minha família, graças a Deus”.
O imigrante relata que, em Campo Grande, foi vítima de xenofobia. “No ônibus, o cara bebeu e falou muita coisa para mim. Falou que africano vem aqui para trazer muitas doenças, que antigamente não tinha doenças. Ele disse que nós somos pobres e antigamente no Brasil não tinha pobre, que não tinha crise e nós trouxemos a crise. Eu fiquei triste e desci do ônibus”.
Para Sene, falta assistência ao migrante e refugiado no Estado. “O governo não deu nada. Lá no sul, o governo não ajuda e aqui também não. Eu fui ao Centro de Apoio ao Migrante, fui lá cadastrar para ver alguma coisa para ajudar, mas eles nunca ligaram para ajudar nada”.
Ele diz que os senegaleses que residem em Campo Grande mantêm contato e reúnem-se periódicamente. “Agora chegou mais senegaleses e formamos um grupo de WhatsApp. Eu encontrei outro cara que estuda aqui, ele é do Senegal também, mas fica na faculdade, não trabalha. Eu coloquei ele no grupo para, domingo que vem, nós irmos à casa de nossos colegas”.
Os migrantes de Senegal encontram-se mensalmente e se ajudam de forma mútua. “Todo primeiro domingo do mês, a gente faz uma reunião para conversar, para cada um dar dinheiro e nos ajudar entre si. A gente junta um valor de 50 até 100 reais, para deixar lá guardado para nós. Se alguém precisar, que estiver com dificuldade ou doente, nós pagamos”.
A libanesa Najah Bakarat, 41, afirma que a falta de assistência aos imigrantes e refugiados no Brasil é histórica. Ela saiu de seu país por causa da Guerra Civil em 1989, aos 14 anos. Ela disse que temia se tornar mercadoria do Exército Israelense, algo comum durante o conflito. “Quando você está em um país em guerra, muito estupro acontece. Eu queria buscar uma vida que não fosse aquilo, onde 22h tem um toque de recolher, onde eu fico dois meses em um lugar subterrâneo”.

Fortalece e Enriquece''. (Foto: Henrique Drobnievski)
A migrante chegou ao Brasil com visto humanitário, conhecido como laissez-passer (em francês, “deixe passar”), um passaporte dirigido às autoridades para dar asilo, abrigo, assistência social e econômica. “Eu, com aquele documento, me senti fodástica. Chegando aqui, os federais nem olharam para ele, pois nem sabem o que é isso. Eles não tinham preparo, assim como até hoje eles não têm”.
Ela afirma que não há auxílio apropriado para refugiados no país. “Isso falta no Brasil. O estrangeiro chega aqui como um comboio de vacas, de animais, é jogado no pasto e fica a Deus dará. Então as dificuldades foram muitas e muitas”. Para Najah Bakarat, são necessárias campanhas para evitar a xenofobia por parte da população. “É preciso criar mecanismos não só para os estrangeiros, para os próprios brasileiros também, para afastar essa ignorância. Para que essas pessoas pudessem enxergar além do seu nariz”.
A nova Lei de Migração
O Projeto de Lei de Migração 13.445/2017, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), sancionado pelo presidente Michel Temer (PMDB) em maio deste anosubstitui a atual legislação de políticas para estrangeiros. Houve veto de 18 trechos na Lei, que marca o fim do Estatuto do Estrangeiro, criado no governo João Figueiredo, durante a ditadura militar. O professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Dr. César Augusto da Silva, explica que as mudanças na Lei trazem preocupações humanitárias. "Ela torna mais flexível a documentação para os imigrantes de forma geral. O espírito da nova lesgislação é o espírito da doutrina dos direitos humanos".
Especialista em Direito Internacional, Silva diz que a nova legislação é mais tolerante a povos refugiados, e está em consonância com os decretos do Conselho Nacional de Imigração de 1987, que previam a entrada de refugiados das ditaduras latino-americanos.
O projeto pretendia incluir liberdade para que os povos indígenas que vivem em fronteiras pudessem atravessar livremente os limites do Brasil com outros países, desde que se mantivessem no território de sua aldeia. Esta cláusula foi vetada pelo presidente Michel Temer. O professor discorda da posição de Temer. "O argumento foi que isso poderia fragilizar as fronteiras com relação as entradas de armas e drogas, mas os indígenas não trabalham com isso". Ele acrescenta que "os traficantes, os 'coiotes', não usam os indígenas para isso. Mas é uma questão que vem de um conceito ultrapassado de soberania nacional". Silva afirma que a nova Lei , mesmo com os vetos, é um avanço para os diretos humanos. "A essência da legislação permanece. É uma legislação acolhedora e humanitária".
Apoio não governamental
A Pastoral do Migrante, entidade que se dedica a auxiliar estrangeiros em dificuldade socioeconômica, iniciou este mês uma série de encontros para debater a situação dos imigrantes e refugiados no Estado. No dia 1º de julho, o órgão realizou o 'Encontro na Diversidade nos Fortalece e Enriquece ' na Paróquia Santuário Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Imigrantes e refugiados relataram suas experiências de êxodo ao Brasil e os organizadores discutiram formas de auxílio da pessoa estrangeira no estado. A freira e coordenadora estadual da Pastoral do Migrante, Irmã Rosane Rosa, fala do trabalho da entidade. “A Pastoral é ecumênica. Todas as pessoas que chegam até nós, nós procuramos, na medida do possível, atendê-las conforme sua demanda, solicitação e também necessidade”.
Ela afirma que a instituição trabalha com parcerias, públicas e da sociedade civil, que auxiliam no apoio aos imigrantes e refugiados. “Nós temos diversos parceiros, sejam eles o governo do estado, do município ou o federal; temos também parceria com as universidades e entidades que trabalham diretamente, como as casas de acolhida. Temos o Cedami, que é o Centro de Apoio aos Migrantes, o Cetremi e a Casa São Francisco, que apoia situações de moradores de rua”.
A entidade recebe ajuda privada de pessoas que auxiliam individualmente o trabalho realizado. Rosane Rosa diz que “a Pastoral do Migrante também conta com grupos de voluntários que fazem suas doações, seja de tempo, de dedicação, de visita, acompanhamento, como também de bens materiais como móveis, roupas, cestas básicas. E até também recursos financeiros, para alguma passagem ou compras de remédios para eles”.
A Pastoral oportuniza a inserção no mercado de trabalho, aulas de língua portuguesa, atendimento médico, moradia e documentação. A religiosa afirma que a ONG se empenha para auxiliar os estrangeiros a trabalharem de forma autônoma. “Uma outra perspectiva que estamos trabalhando é ajudar em ser geração de renda para as famílias desses imigrantes. A gente está encaminhando essa qualificação de emprego, para que possam ser autônomos e, assim, se sustentarem, sustentarem as famílias deles como trabalhadores”.
O evento, aberto ao público, teve participação de membros da Igreja, que coordenam ações de caridade, refugiados sírios, migrantes paraguaios, haitianos e africanos; membros da colônia japonesa e da Associação Haitiano-Brasileira. A Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul (Funtrab) e o Comitê Estadual de Refugiados, Migrantes e Apátridas (Cerma/MS) também participaram trouxeram propostas de ação para auxiliar nas necessidades desse público.
Atendimento em órgãos públicos
A Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (Sedhast) criou, em setembro de 2016, o Comitê Estadual de Refugiados, Migrantes e Apátridas do Estado de Mato Grosso do Sul (Cerma/MS). A proposta da criação do comitê foi do professor Dr. César Augusto da Silva em audiência pública convocada pelo deputado estadual João Grandão (PT). De acordo com Coordenadora do Cerma-MS, Rosangela Araujo a necessidade de criação da entidade surgiu da procura dos imigrantes e refugiados da capital.
O Comitê está em etapa de convocação de membros, de acordo com informações publicadas pela Sedhast, será composto por 17 membros titulares e igual número de suplentes, de representações especificadas, 12 representantes governamentais, da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (Sedhast), como coordenador-geral; Assembleia Legislativa; Secretaria de Estado de Educação (SED); Secretaria de Estado de Saúde (SES); Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp); Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul (Fundesporte); Ministério Público do Trabalho (MPT-MS); Ministério Público Estadual (MPE-MS); Departamento de Polícia Federal (DPF); Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Defensoria Pública da União (DPU) e cinco representantes de organizações não governamentais, direcionadas às atividades de assistência e ou de proteção a refugiados, migrantes e apátridas no Estado.
Os 17 membros representarão os interesses dos migrantes, refugiados e apátridas no Estado e têm a função de buscar assistência governamental para as demandas recebidas. No momento, o atendimento é feito pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (Sedhast) por meio do Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante (Cetremi). A coordenação do comitê encaminha os imigrantes para o Ministério do Trabalho, Funsat e Funtrab, de acordo com as demandas.
A representante da Funtrab, assistente social Mônica Scheller afirma que eventos como o 'Encontro na Diversidade nos Fortalece e Enriquece' são importantes para gerar propostas de ação que atendem as antigas e novas demandas deste público.
Serviço
Contato do Comitê Estadual de Refugiados, Migrantes e Apátridas do Estado de Mato Grosso do Sul (Cerma/MS)
Telefone (67) 3321-7343