Segundo dados da Central de Atendimento à Mulher, levantados pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM), em 2015, Campo Grande foi a capital brasileira com a maior taxa de relatos de violência. De 227,53 relatos por cada 100 mil mulheres, seguida por Rio de Janeiro, de 119,09, e Natal, de 113,43. A maioria dos relatos recebidos pela Central de Atendimento são de violência física, com 50,15% dos casos, e violência psicológica, 30,33%.
Ariene Murad afirma que ainda há uma subnotificação dos casos de violência contra a mulher e, por isso, é dever de todos, e não só da vítima, denunciar as agressões. “Eu sempre friso nas oportunidades que eu tenho que a segurança pública é um dever de todos, não é só um direito do cidadão. Então os vizinhos, familiares e amigos que noticiarem o caso, também devem denunciar”.
Segundo a titular da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres (Semmu), Leyde Pedroso, um dos motivos do baixo número de notificações é que as mulheres vítimas de violência estão com a saúde muito debilitada e procuram, primeiro, o atendimento médico, e não formalizam a denúncia. “Então esses dados são tratados somente no âmbito da saúde, ou somente no âmbito da delegacia".
Para resolver a questão da subnotificação, Leyde Pedroso afirma que a Semmu criou um projeto, com recursos do governo federal, para mapear a violência praticada contra as mulheres em Campo Grande. “Iremos de bairro em bairro para descobrir se as mulheres estão indo na Casa da Mulher Brasileira ou se algumas ainda permanecem caladas, no silêncio da violência”.
A secretária explica que muitas mulheres vivem sob ameaça e, por isso, não registram o Boletim de Ocorrência. “Os agressores, na maioria das vezes o marido da vítima, ameaçam tirar o filho, ameaçam matá-la, matar a família. Então as mulheres ainda vivem esse sofrimento e não denunciam. A gente sempre fala que quando uma mulher vem à Casa da Mulher Brasileira, ela já está no limite de todos os seus direitos desrespeitados”.
Clarisse Gomes*, vítima de violência doméstica, relata as dificuldades para denunciar e expor a agressão. “É o mundo contra a gente, ele vai ser sempre impune. Toda a sociedade está do lado dele e essa é a parte mais dolorosa. Todo mundo me condenada. As pessoas me perguntavam se ele estava drogado, se estava bêbado, se eu tinha traído ele. Mano! A minha cabeça inchou de tanta porrada. Mas todo mundo inconscientemente já procura desculpa, a gente quase é condicionado a isso, a não acreditar na vítima. Toda vez que alguém tenta justificar é uma facada dos infernos, como se acontece tudo de novo".
Ela explica que após alguns meses de relacionamento, descobriu que estava grávida e foi morar com o namorado e um amigo, porque seus pais não a aceitavam em casa. Nesse período, a jovem era vítima de violência patrimonial, física e psicológica do parceiro. “Meus pais me enviavam dinheiro para custear as despesas com a gravidez, mas ele pegava tudo. Ele me violentava com socos e chutes, pulava sobre minha barriga. Meus filhos nasceram mortos”.
Segundo a assistente social da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), Lesly Lidiane Ledezma, a maioria das mulheres que procuram o serviço de emergência em unidades de saúde estão no ciclo da violência há anos. “Quando a mulher chega na emergência é porque ultrapassou algum limite, porque foi grave o suficiente para ela ir até o posto. Mas normalmente essa violência está ligada mesmo ao machismo. Eu já atendi gente que ele explorava financeiramente pra comprar drogas, e o dia que ela não tinha o dinheiro, ele a espancava. São motivos muito torpes, ligados ao machismo mesmo".
10 anos de Lei Maria da Penha
A Lei nº 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada em 7 de agosto de 2006, e é o principal instrumento legal para coibir e punir a violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil. Em agosto deste ano, a lei completou 10 anos de vigência.
A lei estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, deve ser apurado por meio de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público. Esses crimes são julgados nos juizados especializados de Violência Doméstica contra a Mulher, criados a partir da legislação, ou, nas cidades em que ainda não existem, nas Varas Criminais.
A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social. Pequenas agressões, violências psicológicas e morais, como injúria e difamação, também podem causar a prisão do indiciado.
De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica de Mato Grosso do Sul (ABMCJ/MS), Luciana Branco Vieira, a principal conquista trazida pela Lei Maria da Penha foi levar ao debate público a questão da violência doméstica. “As pessoas estão falando e discutindo com mais naturalidade a violência contra as mulheres. Isso faz com que as vítimas e os agressores reflitam sobre suas posições, que as mulheres se fortaleçam e que os homens se cientifiquem que a violência não será aceita e será punida".
Luciana Vieira afirma que a violência de gênero é cultural e ressalta a necessidade de políticas públicas para serem aplicadas em medidas de conscientização, de proteção às mulheres e crianças em situação de violência e de mecanismos de empoderamento destas vítimas.
Serviço
As denúncias podem ser feitas pela Central de Atendimento à Mulher, Ligue 180, na Ouvidoria da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul ou em qualquer delegacia, com o registro de Boletim de Ocorrência.
*Nome fictício para preservar a identidade da fonte