SEGURANÇA PÚBLICA

Registro de ocorrências criminais dissimula realidade da violência em Campo Grande

População deixa de fazer Boletim de Ocorrência das situações de violência e pesquisa oficial apresenta redução da criminalidade

Adrian Albuquerque, Gabriela Coniutti e Lucas Castro 4/06/2018 - 23h41
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O Relatório de Atividades Policiais, divulgado no dia 7 de maio pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), aponta que o estado de Mato Grosso do Sul está mais seguro no primeiro quadrimestre de 2018, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Segundo o levantamento, houve redução dos crimes contra o patrimônio, principalmente roubos, com queda de 12% em relação a 2017. As informações estatísticas são baseadas nos boletins de ocorrência registrados e auxiliam a Superintendência de Inteligência da Sejusp na orientação de operações policiais em todos os municípios do estado. De outro lado, a população indica que houve um aumento na criminalidade, dissimulada pela ausência do registro das ocorrências.

Conforme os dados divulgados pela Sejusp, o feminicídio foi crime que teve maior aumento estatístico no estado, com 33%. Em segundo lugar, os roubos seguidos de morte apresentaram aumento de 20% em Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, o registro de furtos aumentou 10% em relação ao mesmo período do ano passado.

De acordo com o balanço do Sistema Integrado de Gestão Operacional (Sigo), de janeiro a abril deste ano, a Polícia Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul (PMMS) realizou 4.154 operações. Neste período, 172.23 pessoas foram abordadas e 8.627 foram conduzidas para as delegacias. 

Segundo o comandante-geral da PMMS, Coronel Waldir Acosta a prisão de pessoas foragidas é fundamental para a redução do índice de roubos. “Durante o policiamento ostensivo, essas pessoas foram identificadas e retiradas de circulação. Ao todo, prendemos, aproximadamente, 1.800 foragidos da justiça até o dia 20 de maio que, na maioria das vezes, saem dos presídios para cometer novos delitos nas cidades. Então, é um número muito grande de pessoas que retornaram aos presídios e, com isso, diminuímos o índice criminal. Em Campo Grande, por exemplo, essas identificações e prisões são otimizadas porque fizemos a divisão territorial da cidade. São sete divisões policiais de responsabilidade territorial, que proporciona um maior número de comandantes destacados junto com suas tropas no dia a dia e troca de informações”.

   Para Acosta, fronteira traz sensação de insegurança
   (Foto: Adrian Albuquerque) 

Acosta afirma que a circulação de drogas pela região da fronteira com o Paraguai e a Bolívia é uma das principais causas da criminalidade e sensação de insegurança da população em Mato Grosso do Sul. “Nestes primeiros meses do ano, foram apreendidas mais de 52 toneladas de entorpecentes no estado e o tráfico de drogas é o principal motivo da violência na fronteira. Mato Grosso do Sul é um corredor de entorpecentes, mas a maior parte dessa droga não fica aqui, 80% vai para outros estados do país. O tráfico de drogas reflete muito na criminalidade de um local, intensifica a violência urbana. O impacto disso tudo é a sensação de insegurança, porque muitos grupos de traficantes são inimigos e essa rivalidade causa danos para a segurança pública, principalmente no que se refere a homicídios e assassinatos ocasionados pelo acerto de contas como, por exemplo, na região de Ponta Porã. Além disso, quando essa droga chega para consumo doméstico, aumenta o número de ocorrências de roubos e furtos”.

Para o secretário Municipal de Segurança e Defesa Social de Campo Grande (SESDES), Valério Azambuja um dos fatores que levaram à diminuição da criminalidade é a topografia plana da capital sul-mato-grossense, que favorece o patrulhamento das forças de segurança. “Não existe morros aqui, é praticamente uma cidade plana. Isso contribui para que não haja aquele grande aglomerado populacional como vemos no Rio de Janeiro e em São Paulo. A situação de moradia daquelas comunidades faz com que a população trabalhadora seja submetida a vários problemas de violência. Lá, o crime organizado se instala, o poder público quase não consegue intervir e os moradores sentem-se inseguros. Então, Campo Grande possui características favoráveis para que se combata a questão da violência de forma efetiva, com patrulhamento constante, presença do agente de segurança nas ruas”.

Azambuja ressalta que quando há estabelecimentos penais em áreas urbanas, a população do entorno costuma ter problemas de segurança. “A população carcerária que reside dentro desses presídios traz seus familiares para perto e esses podem ajudar no cometimento de crimes fora da prisão. Além disso, a política do sistema carcerário e do controle de violência em torno dos presídios está errada. Lá dentro não era para ter contato telefônico e outras formas de comunicação com pessoas fora do presídio, ou seja, ordenam crimes das suas próprias celas, chefiam organizações criminosas e colocam a sociedade do entorno em uma situação de grave insegurança, principalmente com o ocorrências de furtos e assaltos a mão armada pela cidade”.

De acordo com o superintendente do Comando da Guarda Civil Municipal de Campo Grande (GCMCG), Anderson Gonzaga um dos objetivos da corporação é auxiliar as demais forças de segurança pública da capital. “Acredito que essa redução da criminalidade nesses primeiros quatro meses do ano é resultado da integração dos agentes responsáveis pela segurança. Intensificamos os patrulhamentos em vias públicas na área central e nas outras seis regiões da cidade. As operações são feitas em parceria com a Polícia Militar e também com a Polícia Civil. Com isso, houve essa redução tanto de furto, quanto de arrombamentos nas residências. Acredito que esse índice de redução dos roubos não é ideal, mas em relação a 2017, se continuarmos com essas operações conjuntas até o final do ano, com certeza esse número de ocorrências vai diminuir ainda mais”.

   Gonzaga acredita na integração das forças de segurança
   (Foto: Lucas Castro) 

Gonzaga afirma que as operações de combate aos assaltos são planejadas a partir dos locais onde são registradas mais ocorrências. "Pontuamos a questão do que chamamos de ‘mancha vermelha’, que é o índice da criminalidade nas regiões. Pegamos os efetivos operacionais de todas as setes divisões da Guarda Civil em Campo Grande e combatemos aquela região com maior intensidade. Assim, em questões estratégicas, fazemos planejamento do dia, local e horário para tentar reverter a situação daquele local e diminuir o número de ocorrências o mais rápido possível".

O acadêmico do curso de Nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Rafael Arevalo, 22, teve o celular roubado durante um assalto num ponto de ônibus próximo ao Shopping Norte Sul Plaza no dia 5 de abril deste ano. “O assaltante segurava algo atrás das costas, não sabia se era uma arma ou faca, se tinha realmente algo ali, mas preferi não reagir para evitar algo pior. É a primeira vez que isso acontece comigo. Então, no momento do assalto não sabia o que fazer, me senti impotente e eu fiquei muito revoltado. Eu tinha acabado de terminar de pagar o aparelho e chega uma pessoa e facilmente leva o que é teu, isso realmente foi muito revoltante”. 

O estudante registrou o boletim de ocorrência dois dias após o assalto, depois de esperar três horas para ser atendido na delegacia. “A delegacia estava lotada. Cheguei por volta das 14h e saí de lá umas 17h, demorou bastante o atendimento. Eles pegaram meus dados, anotaram o número de identificação do celular e, depois, me deram aquela resposta que muita gente ouve: ‘se encontrarmos seu celular, entraremos em contato’. Até hoje, nada do meu celular”.

O vendedor João Vitor Infante, 20, foi assaltado no mês de abril em frente a sua casa, no centro de Campo Grande, quando voltava de uma festa e também teve seu aparelho celular roubado. “Campo Grande ainda não é uma cidade onde você tem que se privar para não ser roubado, mas aos poucos essa realidade começa a mudar, é a impressão que eu tenho. A capital tem ficado violenta, os assaltos e roubos se intensificaram de uns tempos para cá. Antes, eu era muito descuidado, andava na rua com o celular na mão, sentava na frente de casa com ele, não estava nem aí. Agora, realmente, comecei a deixar as coisas de mais valor em casa quando saio, passei a me cuidar um pouco mais depois que fui assaltado”. 

Infante acredita que houve um aumento no número de roubos na capital sul-mato-grossense. “Eu trabalho numa loja que vende aparelhos celulares e posso dizer tranquilamente que, pelo menos, 70% de todos os meus clientes só compram um novo aparelho porque foram roubados e, além disso, sabem que a polícia não vai conseguir encontrar o celular”.

Uma enquete foi feita por meio de formulário disponibilizado na internet do dia 15 a 19 de junho e reuniu o total de 107 respostas. O objetivo do questionário foi analisar se os residentes em Campo Grande consideram a cidade segura, se sofreram assaltos recentemente, se registraram o boletim de ocorrência na delegacia após serem vítimas de roubos e como avaliam, de modo geral, a segurança pública da capital.

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