Mulheres vítimas de violência doméstica e familiar terão prioridade na realização de corpo de delito com a nova Lei 13.721, de 2 de outubro de 2018. A lei também inclui crianças, adolescentes, idosos ou pessoas com deficiência. Segundo o Código de Processo Penal, quando o crime deixa vestígios, é necessária a realização do exame de corpo de delito direto, feito na pessoa ou em objetos, ou indireto, quando são colhidos depoimentos de testemunhas na falta de vestígios.
Segundo pesquisa realizada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Mato Grosso do Sul é líder nacional em processos de violência doméstica contra a mulher. A cada mil mulheres, até o final de 2017, 30,8 abriram um processo do tipo no Estado. A média nacional é de 12,3. Ao todo, 1.273.398 casos de violência doméstica contra a mulher estão em tramitação na justiça em todo o país.
Segundo o diretor do Instituto de Medicina e Odontologia Legal (Imol) de Campo Grande, Carlos Barbosa o local possui a primeira Sala Lilás do Estado, destinada a mulheres e crianças vítimas de violência para se sentirem mais confortáveis durante a realização do exame de corpo de delito. “O objetivo é dar um atendimento diferenciado e não colocá-los em um mesmo ambiente com outras vítimas ou até um possível agressor que também tenha sofrido uma agressão. Vamos imaginar que uma mulher foi agredida e, na sua defesa, ela causa uma lesão no agressor. Ele também tem direito de ser examinado, então eles são separados para não ficarem no mesmo ambiente”.
Em Mato Grosso do Sul 13 municípios possuem unidades de perícia criminal, entre eles Corumbá, Três Lagoas, Campo Grande e Aquidauana. De acordo com Barbosa, o Estado possui déficit de médicos legistas. O diretor do Imol afirma que há um projeto para contratação de mulheres para o cargo, com o objetivo de oferecer atendimento mais humanizado. “Tem um concurso em andamento para médicos legistas, então isso vai suprir muito a carência deste profissional”.
A técnica em informática Rosiane Santos* é vítima de violência há, aproximadamente, dois anos pelo vizinho e afirma que tem dificuldade em realizar o exame de corpo de delito. “Eu tenho vergonha, tentei várias vezes, mas quando chega na hora de ter que tirar a roupa para deixar a pessoa olhar, mesmo para uma médica mulher, tenho bloqueio. Isso é muito ruim porque se você não consegue tirar a roupa para fazer o exame, então não tem prova. É a sua palavra contra a da outra pessoa e, geralmente, acreditam no homem”.
*Nome e ocupação alterados para proteção da fonte.
Rosiane* explica que, durante todo processo para procurar ajuda, o que mais a incomoda é a descrença de alguns profissionais ao ouvirem seus relatos de violência. “Eu fui em uma psiquiatra que falou que se não tem exame, é mentira. Mesmo com os machucados, com tudo comprovado, não na parte genital, mas no Raio-X do corpo, ela disse que eu poderia estar me machucando. A minha advogada falou que eu provavelmente não conto aos meus pais porque gosto da violência e não quero perder esse ‘amor’. Esse tipo de coisa destrói qualquer um”.
A técnica em informática afirma que procura se manter longe de casa para escapar da violência que sofre quase toda semana. “Eu tento fugir. Durmo na casa dos meus amigos, nas ruas várias vezes, em abrigo da prefeitura e naquelas casas para moradores de rua, mas nem todo dia eu consigo. Ouvi as pessoas falarem que eu não saio porque não quero ou não gosto e isso dói”.

A juíza da 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e coordenadora Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), Jacqueline Machado afirma que é preciso conscientizar as crianças pela educação, para que as estatísticas de violência doméstica contra a mulher diminuam. “Precisamos educar os nossos filhos de forma que eles não se tornem agressores de mulheres e que entendam não só a respeitá-las, mas que mulheres são seres humanos que têm os mesmos direitos que os homens”.
A juíza ressalta que um atendimento humanizado é fundamental para que a vítima se sinta encorajada a denunciar e prosseguir com o processo judicial. “Ao ser encorajada a denunciar, faz com que consiga trazer mais provas que comprovem o delito e fazer com que algúem, como uma vizinha, venha ser testemunha. Muitas vezes a pessoa não quer se manifestar porque tem que ficar horas esperando ou porque não quer se envolver em briga de marido e mulher”.

Exame de corpo de delito é necessário para elucidação de crimes - (Foto: Thalia Zortéa)




